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Solicitador por um dia...

Entrevista com Dra. Marta Berenguer

Licenciada em solicitadoria no IPBeja, a Dra. Marta Berenguer trabalha em solicitadoria a tempo inteiro no seu escritório em Beja, no qual dedica-se essencialmente a área predial e do notariado, bem como à fiscalidade, passando pelo ramo automóvel e situações concretas em tribunal.

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O que a levou a escolher a área da solicitadoria?

Sendo licenciada na área da engenharia agro-florestal e trabalhando numa vertente de inspeções muito ligada à legislação, decidi continuar os meus estudos no sentido de tirar alguma licenciatura que viesse complementar os meus conhecimentos, mas na área legal.

Como moro em Beja e tenho o meu escritório aqui situado, surgiu a possibilidade de tirar o curso de solicitadoria. Comecei a tirar o curso e a gostar, fiz algumas pesquisas sobre o que seria um solicitador e o que era a solicitadoria, acabando assim por decidir terminar a licenciatura e deixar a área onde estava, e onde trabalhei muitos anos. Optei por fazer o estágio da ordem dos solicitadores para ser solicitadora. Não foi um percurso tradicional, procurei esta área para complementar uma outra, mas acabei por me mudar para a área da solicitadoria.

Encontra diferenças relevantes entre quem escolheu esta profissão através da licenciatura em Direito e quem escolheu a licenciatura em Solicitadoria?

Sendo licenciados em direito ou em solicitadoria, todos nós passamos por um estágio e temos de fazer exames, ou seja, quando acabam os exames temos todos os mesmos conhecimentos.

Se existem algumas diferenças, estas são o facto do curso de direito ser um pouco mais teórico, enquanto a licenciatura em solicitadoria tem conteúdos muito práticos. A licenciatura em solicitadoria tem uma vertente quanto ao direito notarial e do direito dos registos, que muitas licenciaturas em direito não têm ou se têm faz parte das optativas.

Quando vamos para o mercado de trabalho, vamos todos fazer o mesmo.

Há uma grande confusão do que é um solicitador, se é uma espécie de advogado, porque vem da área do direito ou da solicitadoria. Não acho que seja significativo o facto de termos origens diferentes, seja do direito ou da  solicitadoria.

Somos todos solicitadores, independentemente de termos a base do direito ou da solicitadoria, e no fim o que fazemos no nosso dia-a-dia é o que interessa. Temos de exercer a nossa profissão da melhor maneira e estamos cá para nos ajudar uns aos outros.

Existe uma grande entreajuda entre as diferentes áreas, tendo em conta a vertente mais teórica do direito e a prática da solicitadoria, que acabam por se complementar nesta profissão, o que é benéfico.

Como se processa o processo de candidatura à ordem dos solicitadores e agentes de execução, assim como quais são as funções desempenhadas por um solicitador no seu dia-a-dia?

Para terem acesso à ordem dos solicitadores e agentes de execução atualmente têm de ser licenciados em direito ou em solicitadoria. No início do ano abre um concurso, temos de fazer uma candidatura e enviar uma série de documentação, em que o recém licenciado se inscreve para iniciar o estágio.

Na minha altura durou 18 meses, mas hoje em dia o período de duração é menor. O estágio é composto por uma parte prática e uma parte teórica. Somos solicitadores estagiários enquanto estamos a fazer o estágio.

Na parte teórica existem casos práticos que são dados aos estagiários, temos algumas formações em formato online (dada a situação da Covid). Depois na parte prática temos umas horas com um patrono que nos é atribuído, e esse patrono tem a principal função de transmitir os seus conhecimentos, o que faz no dia-a-dia, como trabalhar com as aplicações inerentes à prática normal de um solicitador. Acompanhar o solicitador nas várias diligências que pode ter, ajudar o solicitador a elaborar documentos com a autorização dos respetivos clientes.

No final, passado este período longo e cansativo, temos quatro exames num dia, dois de manhã e dois de tarde. Esses exames são compostos pela matéria de ética e deontologia, estatuto, direito fiscal, registos e notariado, direito civil, portanto, tudo o que possam imaginar está nesses quatro exames. Precisamos de ter positiva nesses exames, tendo uma nota inferior a 12 valores existe uma oral no qual são questionadas todas as matérias inerentes, dadas ao longo do estágio.

Assim que se conclua o estágio, temos de nos inscrever na ordem, pedir os selos, o selo branco, a atribuição do nome profissional e email à nossa escolha, e assim que seja atribuída a cédula profissional e que tenham o certificado digital instalado no vosso computador podem começar a trabalhar.

Penso que saibam que o solicitador é um profissional liberal, e que portanto representa e acompanha os cidadãos e empresas junto dos órgãos de administração pública, tribunais e quaisquer outras entidades públicas ou privadas. Tem uma vertente que está prevista no código das sociedades comerciais que é o facto de poder ser secretário de sociedade.

O solicitador pode elaborar contratos, documentos particulares autenticados, reconhecimento de assinaturas, menções especiais, certificação de fotocópias e traduções, fazemos aconselhamento jurídico. Existem clientes que nos procuram para aconselhamento jurídico nas mais diversas áreas.

Nós também temos a possibilidade de advogar em causas judiciais que não estão sujeitas a recurso, como por exemplo a cobrança de dívidas ou ações de responsabilidade civil. Temos a possibilidade de ter um mandato conjunto com colegas advogados em tribunal. Temos uma série de atos próprios que estão previstos na lei, onde representamos os nossos clientes nos mais diversos atos jurídicos. Nós preparamos a documentação com vista à garantia jurídica e a certeza negocial desses negócios.

Ao fim ao cabo “Nós somos uns procuradores por excelência de proximidade com o cliente”, porque efetivamente pelo que vejo e falo com os meus clientes, são clientes que procuram uma relação mais próxima, vendo no solicitador uma pessoa a quem podem recorrer e confiar para resolver os seus problemas da melhor forma possível, com a maior brevidade possível e com os menores custos possíveis, porque é isso que o cliente pretende, rapidez e eficácia na resolução do problema.

A diferença significativa entre o solicitador e o advogado reside no facto de, que embora os solicitadores possam exercer o mandato judicial dentro de certos limites, as suas principais atividades são efetivamente aconselhar, representar e assessorar os clientes. O nosso interesse não é que o cliente vá parar a tribunal para resolver o seu problema, mas sim, que o problema seja resolvido sem termos de recorrer ao tribunal. Se tivermos de recorrer a tribunal, fazemos uma procuração conjunta com os nossos colegas advogados.

Nós acabamos por ser “amigos” dos nossos clientes, e portanto, tudo aquilo que não ultrapasse a ética e deontologia da profissão e que possa estar englobado, ainda que direta ou indiretamente na lei dos atos próprios dos advogados e solicitadores, nós fazemos.

Nas situações do dia a dia, quais é que considera ser mais vantajoso contratar um solicitador e não um advogado? 

            Pergunta difícil! Cada profissional seja advogado ou solicitador tem o seu lugar e, portanto, quando existem situações concretas em que claramente não é possível o solicitador através dos contactos que faz seja nas entidades públicas seja a contactar alguma pessoa que esteja envolvida no problema do cliente e que claramente a negociação não funcione é óbvio que terá de recorrer aos tribunais. Os colegas advogados podem fazer o mesmo que nós, não é isso que está em causa. Agora efetivamente se calhar os advogados são mais conhecidos porque vão a tribunal, nós também vamos, mas em condições um pouco diferentes. Mas em situações que carecem de decisão de um coletivo de juízes, ou de um juiz de um tribunal os clientes raramente se enganam e sabem perfeitamente quando tem de contactar um advogado ou um solicitador. Até aos dias de hoje não tive nenhuma situação de um cliente que me tenha chegado e que me tenha dito "Olha eu sei que esta situação tem de ir a tribunal…”, não normalmente os clientes sabem que quando a situação tem de ir a tribunal recorrem a um advogado, se a situação tiver de ser resolvida de uma forma mais burocrática aí sim recorrem a um solicitador. Ainda que, e volto a repetir, os solicitadores também podem ir a tribunal ainda que em circunstâncias diferentes.

            São profissões que se complementam, eu tenho um colega advogado que trabalha muito na área penal, sendo a sua área de maior atividade, e por exemplo tudo o que é registos e notariado faz mas não é das suas áreas preferidas, e muitas vezes o que acontece é que partilhamos trabalho, trocamos clientes, portanto ele sabe perfeitamente quais são as minhas competências, assim como eu sei quais são as competências dele e acabamos por trocar clientes. Por exemplo: "Tenho aqui um cliente que não lhe consigo resolver a situação, vou te mandar o cliente, fala com ele e vê o que é possível” e portanto existe essa abertura, porque cada um tem a sua especialidade, cada um tem o seu trabalho/função e não tem de existir atropelos entre advogados e solicitadores porque cada um tem as suas funções específicas e podem perfeitamente trabalhar em conjunto e acho que se complementam muito bem nas mais variadas áreas e portanto havendo bom senso nós facilmente encaminhamos os clientes se for caso de advogado para um advogado assim como eles encaminham para os solicitadores quando é caso para tal. Só tem de haver conhecimento daquilo que são os nossos atos próprios e que estão definidos na lei e são claros.

 

Que conselho daria aos nossos estudantes que depois do curso também tenham a solicitadoria como área de preferência para a sua carreira profissional?

Aconselho-vos a fazerem o curso, verem muito bem o que querem e qual é a vossa área de eleição que tenham e assim verem se se enquadra mais na área da solicitadoria ou mais na área do direito, mais propriamente dito, na advocacia. Isto depois depende da vossa área de eleição, porque nós quando tiramos uma licenciatura temos sempre preferências, e eu por exemplo quando tirei a minha licenciatura a minha preferência era processo civil, portanto tribunal e acabei por ser solicitadora e fazer o estágio da ordem. Ainda hoje gosto muito de processo civil, é uma área que me interessa e por isso frequentemente tenho alguns processos de clientes em procuração conjunta com alguns colegas advogados precisamente porque é uma área que me agrada.

            O futuro tendo em conta a situação da CPAS (Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores), e que vocês com certeza que conhecem a situação que nós advogados e solicitadores nos encontramos ao nível da CPAS, é uma situação que tem de pensar se quiserem seguir a carreira de advogados ou solicitadores. É importante que pensem, e isto não é de forma alguma para vos desmotivar, mas não é fácil a inserção no mercado de trabalho, depende do sítio ou localidade onde se encontram, do apoio que possam ter, enfim de imensa coisa. Existem vários colegas que principalmente nestes anos durante e pós-covid, a situação tem sido bastante complicada, e quando eu vejo tirarem uma licenciatura em direito ou solicitadoria o que eu vos digo é que pensem bem naquilo em que se vão meter, mas acho que sim que avancem não desistam, tudo é possível. Eu por exemplo quando comecei com um escritório que não o era bem porque era numa empresa de coworking e, portanto, tinha a minha sede nessa empresa e aos poucos é que consegui ter o meu escritório, é um processo por vezes longo que se faz passo a passo que também depende muito da ajuda que nós temos de colegas, eu neste aspeto tive muita sorte porque tive a ajuda de uma colega a Dr. Joana Pinto, com quem partilho escritório e que me deu uma grande ajuda quando terminei a licenciatura, é um processo por vezes bastante moroso e difícil porque vão encontrar alguns espinhos pelo caminho, as coisas vão-se aprendendo, e a vida na prática, como na solicitadoria por vezes é bastante diferente daquilo que nós aprendemos na licenciatura, porque aquilo que se faz na vida prática, ainda que dentro da legalidade e da lei, é bastante diferente, temos de saber quem contactar para resolver o serviço do cliente e portanto é uma volta de 180º quando acabamos a licenciatura fazemos o estágio e estamos no mercado de trabalho  portanto o que vos aconselho é que avancem devagar com princípio meio e fim e com muita calma para verem naquilo em que se vão meter. Não é fácil mas não vos digo para desistir como é óbvio porque eu também não desisti e outros colegas também não, mas tenham atenção que o caminho é feito de “baby steps”, como se costuma dizer, mas chegam lá, mas não é fácil, neste momento como vocês sabem que existem imensos licenciados em direito e em solicitadoria, mas como um professor que eu tinha costumava dizer que :“Podem existir milhares de licenciados em direito e solicitadoria, mas que os bons tem sempre trabalho”. E para ser bom é preciso estar sempre a estudar, pesquisar, perguntar, querer saber mais e portanto tudo é possível. Avancem com cuidado, vejam o que é que efetivamente gostam, o que querem fazer, podem até ter uma perspetiva diferente independentemente de fazerem o estágio para a ordem dos advogados ou para a ordem dos solicitadores e agentes de execução, falem com outros colegas vossos questionem o que é que eles mais e menos gostaram, quais são as condições de um estágio e de outro de uma outra forma muito prática vejam na vossa área onde vocês se querem inserir como profissionais se fará mais sentido talvez ter um solicitador ou um advogado, também tem sempre a possibilidade de trabalhar noutro sítio qualquer por conta de outrem, não tem de trabalhar por vossa conta, como sabem nós podemos ter contratos de trabalho por conta de outrem, podem trabalhar em departamentos jurídicos podem fazer uma série de coisas. Só tem de analisar efetivamente aquilo que gostam mais e que querem fazer se se vêm a fazer isto todos os dias, o que nem sempre é fácil, mas que é o mais importante.

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