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 Polícia e Professor de Direito Administrativo

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Mestre Vítor Matos é agente da Unidade Especial de Polícia da Polícia de Segurança Pública. Em 2016, licenciou-se em Direito, no ISMAT, como concretização de um objetivo pessoal. Atualmente é Doutorando em Direito Público na ULHT-ULP.

Em primeiro lugar, conte-nos um pouco do seu percurso académico e profissional.

VM: Começando pelo meu percurso profissional, ingressei em 2003 na Polícia de Segurança Pública e terminei o curso em 2004. Depois disso fui para Lisboa tal como a maioria dos polícias, onde prestei serviço até 2006. Foi nesse ano que decidi concorrer ao Corpo de Intervenção, que atualmente integra a Unidade Especial de Polícia (UEP) e onde estou desde então. Para aqui chegar, tive que prestar provas físicas muito duras, e frequentar um curso muito exigente física e psicologicamente. Contudo, essa exigência, prepara-nos para um tipo de serviço diferente dos outros. Não que seja mais ou menos polícia do que era antes, mas é uma polícia especializada que atua quando a polícia normal já não tem capacidade para atuar. Falamos aqui de situações de ordem pública ou violência concertada, terrorismo, cumprimento de mandados de busca em zonas de sensível acesso, etc.

Quanto ao meu percurso académico, em 2012 decidi inscrever-me no ensino superior por dois motivos: primeiro, porque não me sentia realizado academicamente, e em segundo, porque tinha a necessidade de ir mais além profissionalmente. Foi então que, decidi inscrever-me em Psicologia no ISMAT, com o objetivo de me especializar em Psicologia Criminal. No entanto, nesse ano, esse curso acabou por não se lecionar no ISMAT, restando-me apenas a possibilidade de escolher outro curso. Inicialmente não queria Direito, apesar de, a nível profissional, estar em permanente contacto com a área, aliás, no próprio curso da Polícia tivemos bases em Direito Penal, Processual Penal, Direito da União Europeia, entre outros. Um dos entraves ao curso dizia respeito ao tempo de duração, que era de quatro anos, ao contrário dos três de Psicologia. Mas, acabei por escolher, e não me arrependo, foi o início de uma caminhada que revejo com um sorriso.

Concluí a licenciatura e, a primeira coisa que evidencio, é que, a partir desse momento, fiquei com uma ideia da advocacia bem diferente daquela que tinha antes de iniciar a minha vida no mundo das leis, e que, ainda hoje, sinto aquela pequena mágoa por não ter possibilidade de seguir a carreira de advogado. Contudo, devido regime de incompatibilidade a que estou sujeito, não posso exercer as duas profissões em simultâneo. Por isso, e por se tratar também de um objetivo pessoal, no mesmo ano que conclui a licenciatura, inscrevi-me no Mestrado em Direito na Universidade Lusófona, em Lisboa. Terminei no ano passado, mas não pensem que foi tarefa fácil. Primeiro, porque todas as semanas tinha que me deslocar a Lisboa para a frequência de aulas do primeiro ano letivo. Segundo, porque ainda não tinha definido o tema da dissertação final. Eis então, que no final do primeiro ano do Mestrado, surge na mesma universidade uma Pós-Graduação em Criminologia e Investigação Criminal, e, pelo gosto que tenho nessa área, levou-me a suspender o Mestrado e frequentar esse curso, durante um ano letivo. Foi aí que conheci aquele que viria a ser o meu Orientador da Tese final, o Professor Doutor André Inácio, a quem muito devo, pela paciência e disponibilidade que teve durante o tempo que me “aturou”. Decidi, fruto de alguns conteúdos lecionados na referida Pós-Graduação, e por se tratar de um tema atual, dedicar a minha tese final às medidas cautelares de polícia para os crimes praticados por meios informáticos. Após a conclusão, mostrei a minha disponibilidade em dar o meu contributo para o ISMAT e, é nessa altura que surge o convite para lecionar a disciplina de Direito Administrativo. Foi algo que não estava à espera, pois apesar de lidar com essa área na minha profissão, sempre gostei mais da área penal. No entanto, aceitei o desafio e confesso que estou a adorar. Por fim, surge a possibilidade de ingressar no Doutoramento, numa de três áreas: Direito Civil, Direito Penal ou Direito Público. Ora, numa situação normal, teria sido óbvia a escolha do Direito Penal, mas escolhi o Direito Público, com o objetivo de aprofundar conhecimentos em Administrativo, e também, porque quero investigar uma área pouco estudada, no que respeita às garantias dos elementos das forças de segurança, nomeadamente os procedimentos disciplinares. O que em 2012 era para ser o início de uma caminhada com o objetivo de concluir uma simples licenciatura, apenas para realização pessoal, chegou até aqui, e por isso, olho para trás com muito orgulho e satisfação.

Na sua opinião, quais são as responsabilidades diárias mais importantes da polícia?

A principal responsabilidade é transmitir ao cidadão a garantia de segurança. Não é por acaso que somos considerados o terceiro país mais seguro do mundo e, quanto a isso, muito se deve ao profissionalismo dos homens e mulheres que diariamente vestem uma farda em prol da segurança de todos.

Como sabem, um dos pilares fundamentais para a existência de um Estado é a salvaguarda da segurança e da paz social. Um Estado que não consiga manter a segurança e a paz pública é um “Estado falhado”. Não dávamos valor à liberdade, até que nos vimos forçados a ficar fechados em casa, com sérias restrições de movimentos, por causa de uma pandemia. A partir desse momento, começámos a dar outro valor a esse bem fundamental e a importância da sua preservação. É o que acontece com a segurança! Não lhe damos a devida importância porque a temos como um bem adquirido. E ainda bem que assim é! Resulta do trabalho diário daqueles que têm competência nessa matéria, pois sabemos perfeitamente que, tanto a nível de liberdade como de segurança, se formos para outros países que diariamente vemos nas notícias, esse sentimento é totalmente diferente. Tomara que, as pessoas que aí vivem, tivessem esse valor adquirido, que felizmente nós temos. Portanto, essa é a principal responsabilidade da Polícia, transmitir e preservar segurança à população, cumprindo como é obvio, a nobre missão que lhe é confiada.

Qual é a parte que mais gosta do seu trabalho enquanto Polícia?

Pessoalmente, a maior satisfação é poder ajudar as pessoas e sentir que essa ajuda, de certa forma foi útil, mesmo que se trate de uma simples informação. Para vos dar um exemplo, há uns anos atrás estavam a ser efetuadas gravações de uma série televisiva em Portimão, mais concretamente na Praia da Rocha. As gravações eram feitas durante a noite, em pleno agosto, e, como devem imaginar, existia bastante público a assistir. Estávamos de serviço nessa zona, até que, a uma determinada altura, no meio daquela gente toda, surge junto de mim e do meu colega, uma criança de 6 ou 7 anos, muito assustado e a chorar, e diz-nos: “Senhor Polícia, perdi-me dos meus pais e não os consigo encontrar”. Só o facto de uma criança daquela idade vir pedir ajuda à polícia, daquela forma, sensibilizou-nos. Infelizmente, ainda existe hoje em Portugal um pouco a cultura do medo às crianças com a polícia: “se não te portas bem, vem ali o Sr. Polícia e leva-te preso” (risos). Bem, naquele caso, felizmente, foi o contrário. Acalmámos a criança, levámo-lo connosco para o posto policial que aí existe, todos os elementos da equipa interagiram com ele, entrou dentro das nossas viaturas, até que, aparecem os pais todos aflitos, a dizer que tinham perdido o filho, e ele, dentro de uma viatura policial, feliz da vida, a imaginar-se num polícia de verdade. E isto não foi nada demais, aconteceu com um Polícia como podia acontecer com outra pessoa qualquer, mas, essa sensação de dever cumprido, é a minha maior satisfação.

Não podia deixar de mencionar também, aquela que é uma das principais funções da Polícia e que, de certa forma, me levou a ingressar na UEP, o combate ao crime. Nesta missão saliento duas vertentes, por um lado os suspeitos da prática de crimes que detemos e levamos à justiça, onde são julgados e condenados, por outro lado, o reconhecimento dos cidadãos, não só pelo trabalho feito, mas também, porque a partir daquele momento, é menos um criminoso nas ruas “à solta”.

 

E vendo agora o outro lado da moeda, qual foi o maior desafio que se lembra de ter enfrentado?

Existem situações que nos custam a digerir enquanto polícias, em especial, aquelas que estão relacionadas com um elevado grau de perigosidade da atuação em concreto, mas fazem parte desta profissão. Há um episódio que me vem sempre à memória, não necessariamente pelo perigo, mas pela carga emocional associada. Ainda estava em Lisboa e tivemos uma chamada de um vizinho que ligou à polícia, porque tinha ouvido disparos no apartamento ao lado. Chegámos à porta e não ouvíamos qualquer ruido de pessoas vindo do interior da habitação. Como sabem, não se pode entrar dentro de uma habitação sem um motivo justificativo válido. Mas, quando a suspeita é de uso de armas de fogo, e naquele caso, os vizinhos diziam que entre o casal existiam grandes quezílias e situações suspeitas de violência doméstica, então, estamos perante matéria suficiente para que pudéssemos entrar na habitação, sem o respetivo consentimento. Poderíamos estar perante um caso, em que a vida de alguém estaria em risco. Coloquem-se então no lugar do Polícia! Recebem uma comunicação, onde informam que no apartamento ao lado ouviram-se disparos de uma arma de fogo. Chegam ao local, batem à porta, e do interior não surge qualquer resposta… vocês pensam “e agora? será que ao entrarmos temos uma caçadeira apontada a nós?”. São situações muito complicadas. O que é certo, é que naquele caso, foi arrombada a porta e, o cenário que encontramos no interior foi algo que nunca esperava encontrar e que não importa aqui pormenorizar. O que mais me chocou, foi o facto de naquele cenário todo, estar envolvida uma criança de 6 anos. Ficaram imagens que nunca mais irei esquecer. Não é fácil lidar com situações destas, mas, nesta atividade, temos que estar preparados para lidar com elas, e para quem é pai, mãe, ou tem um sentimento familiar muito forte, ficam marcas cá dentro que custam muito a passar.

Sabemos, com a conferência sobre a área da Investigação Criminal que o NEDISMAT promoveu, qual é a sua opinião sobre as vantagens que o curso de Direito pode trazer a um elemento das Forças de Segurança e no seu caso, da UEP. Ainda assim, a pergunta que gostaríamos de lhe colocar é se acha mais proveitoso para estes profissionais o aprofundamento na área jurídica ou se deveriam optar por uma maior interdisciplinaridade, procurando ganhar conhecimentos em áreas como a psicologia, sociologia, gestão de recursos humanos, etc.?

As duas são importantíssimas, mas, seja na Unidade Especial de Polícia ou na Polícia como um todo, ou de qualquer outra Força de Segurança, o aprofundamento da área jurídica é essencial, uma vez que, grande parte da atividade policial assenta em conhecimentos na vertente do Direito. No entanto, não quer dizer que o conhecimento por outras áreas não seja importante, acho que faz todo o sentido para complementar o exercício das funções.

Está cada vez mais na moda, ou o que lhe quiserem chamar, filmar tudo o que mexe. Seguidamente colocar essa filmagem ou imagem ou outro conteúdo qualquer nas redes sociais. Isto para vos dar um exemplo, de um caso concreto que aconteceu recentemente! Durante o confinamento surgiu uma filmagem nas redes sociais, de dois polícias a serem filmados numa determinada zona enquanto asseguravam o dever de recolhimento, tendo como função, não permitir que ninguém circulasse naquela artéria. Para grande desagrado da pessoa que filmava, pois queria seguir o seu destino junto ao mar, e não lhe foi permitido, começou a filmar individualmente os policias que ali estavam, e, a determinada altura, começa a mencionar o nome dos mesmos ao mesmo tempo que foca a imagem no rosto de cada um dos policias. Pelo menos enquanto durou a filmagem, não se viu qualquer reação por parte dos agentes da autoridade. Ainda que no âmbito de qualquer atuação os policias estejam sujeitos à captação de imagens, a partir do momento que as mesmas passam para a esfera pessoal, a sua divulgação só é permitida mediante o respetivo consentimento do próprio. Estamos perante questões técnicas jurídicas essenciais, especialmente num mundo cada vez mais globalizado que vivemos, em que a constante formação é fundamental, para não corrermos o risco de inação por falta de conhecimentos. Por isso, sou da opinião que a área jurídica deve estar em primeiro lugar, independentemente de estar numa Unidade Especial, num Departamento de Investigação Criminal, de Fiscalização, ou outro qualquer.

Tendo já uma vida profissional definida e estável, o que o leva a aceitar a via académica, seja na vertente de lecionar, como de progredir na carreira e ingressar no doutoramento?

Aceitei mesmo pelo gosto por uma área que eu desconhecia de todo e pela sensação de querer mais, querer descobrir. Como referi no início, o que começou como um objetivo pessoal tornou-se quase como um vício permanente. E não tenho dúvidas que quando terminar o Doutoramento irei pensar em qual será o próximo objetivo, porque é assim que funciono, por etapas. Inicialmente perguntavam-me que vantagem teria eu com o Mestrado, e eu respondia “não sei, logo se vê”. O que é certo é que terminada essa etapa, tive a oportunidade de lecionar, caso contrário, eu próprio não me propunha a esse desafio. Relativamente ao Doutoramento o pensamento e motivação são os mesmos, para mim, a questão principal é gostar do que se está a fazer, caso contrário à primeira adversidade pensamos logo em desistir.

O que é que tem sido mais desafiante e o que está a gostar mais nesta nova etapa enquanto docente universitário?

O mais desafiante é a relação com alunos. Tanto aqueles que vieram diretamente do secundário, com os que trabalham há vários anos nas mais diversas áreas e, pelas mais variadas razões, decidiram agora voltar a estudar. Acho importante que exista uma excelente reciprocidade entro o aluno e o professor, tendo sempre em mente o objetivo principal, que é ensinar. Para mim, é uma enorme satisfação corrigir um teste de avaliação, ou qualquer trabalho, e verificar no tipo de respostas que são dadas, que está ali tudo o que ensinei e da forma que foi explicado. Essa é a maior gratificação, saber que a minha mensagem passou.

 

Qual é o conselho que gostaria de deixar aos alunos de Direito que queiram trabalhar nas forças de segurança pública?

Em primeiro lugar foquem-se na licenciatura para a concluírem da melhor forma possível. Depois, enquanto não surgem as oportunidades profissionais que cada um anseia, aconselho que continuem a estudar. Não percam o foco, sejam pós-graduações como a que existe em Criminologia e Investigação Criminal ou um Mestrado em Psicologia Criminal, por exemplo. A partir do momento que param de estudar para se dedicarem a uma causa específica, seja a advocacia, ou até simplesmente esperarem pela abertura de um concurso para alguma das várias polícias, quando quiserem retomar os estudos, o esforço é muito maior.

Professor Vítor Matos, agradecemos novamente por aceitar o nosso convite e fazer parte desta iniciativa. Desejamos-lhe o maior dos sucessos nesta nova etapa em que se encontra!

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