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À conversa com… dois Casos de Sucesso

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Para terminar de forma diferente a última Newsletter deste mandato, aceitámos o desafio do Victor Santos, Presidente da Assembleia Geral do NEDISMAT, de entrevistar de um modo mais informal dois profissionais de excelência, que integram o Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário do Algarve. Estivemos então os cinco, Doutor Horácio Guerreiro, Dr. Paulo Neves, o nosso colega e amigo Victor, e nós dois, Gonçalo Camacho e Mara Rodrigues, os entrevistadores aos quais já estão habituados, numa maravilhosa conversa presencial, a primeira desde que começámos os Casos de Sucesso.

Paulo Neves é licenciado em Direito, pós-graduado em Direito do Urbanismo e da Construção e em Direito dos Contratos Públicos, fundador da “Habijovem” e atualmente vogal executivo do Conselho de Administração do CHUA entre muitos outros feitos que acompanham o seu extenso currículo.

Horácio Luís Guerreiro, em primeiro lugar é Médico, especialista em gastroenterologia. Posteriormente, licenciou-se em Direito e atualmente é Diretor Clínico e vogal do Conselho de Administração do CHUA.

 

Mara Rodrigues: Conte-nos um pouco sobre si.

Paulo Neves: Conclui o curso em 2011, agora que penso nisso fez este ano 10 anos. A verdade é que comecei a tirar o curso em 1987, em Lisboa. Contudo, chego ao fim do 3º ano da licenciatura e tive de suspender a matrícula porque não tinha dinheiro para prosseguir com os estudos. Portanto, fui trabalhar, colocaram me num cargo político, o que na altura me deixou bastante contente porque pensava que não se fazia nada. (risos)

Porém, rapidamente percebi que quando se entra na política e se quer que seja algo sério, tem que se demonstrar que é sério, trabalhando mais que os outros. Uma vez terminado o cargo político, voltei para a província onde realmente, anos mais tarde, acabei por concluir o curso. É claro que quando retomei a licenciatura já vinha com uma bagagem cultural muito diferente do que quando o estava a fazer anos antes em Lisboa, fruto também de todas funções que tinha vindo a desempenhar. Não obstante, o ISMAT foi de facto um ambiente onde eu voltei a estudar e fiz uma autocrítica. É que, por vezes, ser nomeado ou eleito para um cargo público, faz com que a pessoa julgue que já sabe tudo, o que não é verdade, uma pessoa só sabe tudo quando conclui o curso. E mesmo depois disso continua sempre a aprender.

Gonçalo Camacho: Fale-nos um pouco do que é ser vogal do Conselho de Administração do CHUA, uma vez que não é o tipo de saída profissional que se encontra no leque das principais saídas que o estudante de Direito tem em mente quando ingressa no curso.

PN: Creio que até é uma área típica do Direito uma vez que trata principalmente da área jurídica e recursos humanos, enfim, administração pública, contratação publica, etc. Sendo para mim um grande privilégio poder usar o que aprendi na universidade e na vida para colocar ao serviço daquela que é a maior empresa a Sul do Tejo. Nós temos 5 mil e um trabalhadores, se entretanto, ao tempo desta conversa, ninguém tiver saído. (risos)

Ainda por cima, tudo isto está a acontecer numa circunstância nova e desafiante, havendo situações do direito ordinário que se veem confrontadas com estes momentos de exceção, em que temos de encontrar soluções excecionais para continuar a gerir a coisa pública, que é o essencial, até porque o que se trata aqui é de cuidar da vida dos outros.

Portanto, tem sido uma coisa verdadeiramente fantástica. Há até uma colega que tirou o curso comigo no mesmo ano que eu que está aqui, trabalha como jurista, Marta Viegas, foi minha colega. É engraçado tendo eu vindo a encontrá-la aqui na área jurídica, tanto ela como outras pessoas desta área, uma vez que digamos que são a “brigada de choque”, porque o Direito, no fundo, abarca tudo. Há um problema de contencioso, um problema de pré-contencioso ou uma tentativa de evitar chegar ao contencioso e é sempre o Direito que entra em ação. Por vezes penso que as pessoas acham que somos totalmente irrelevantes para a vida, mas, na prática, sempre que as coisas importantes acontecem, chamam-nos. E normalmente, ou quase sempre, quando as pessoas têm um problema ou querem evitar um problema lá temos nós de entrar em ação. Nós e os médicos.

Portanto, nós temos muita gente dos vários domínios, seja na área dos recursos humanos ou na área da gestão, que são colegas licenciados no Algarve, no ISMAT. E depois há outros que depois de concluírem o curso vão fazer especializações, pós-graduações, mestrados, aí, no fundo, é como o caso aqui do Victor Santos, nós nunca paramos de estudar.

Victor Santos: Mas, atenção, que eu ainda estive 7 anos sem estudar. Depois entrei para a primária e nunca mais parei! (risos)

PN: De facto, gostei muito de estudar no ISMAT e tenho sempre uma grata memória dos Professores que aí tive. Normalmente o que se diz é que o ensino privado é mais fácil, não é? Eu não sei se é mais fácil ou mais difícil, o que sei é que aqueles professores que tive eram mesmo bons. Eram e são, porque percebo que ainda continuam a dar notas baixas a toda a gente. (risos)

Mas realmente gostei mesmo, foram pessoas que eram de facto exigentes, porque têm uma experiência de vida, mas a relação que nos é possível criar no ISMAT, ao contrário de outras universidades como uma de Coimbra ou Lisboa, faz com que na prática aprendamos muito com a experiência destes indivíduos. Tenho mesmo excelentes memórias.

MR: Tivemos a oportunidade de ver a sua biografia, que desde já agradecemos o envio para o conhecermos um bocadinho melhor, e conseguimos perceber que já desempenhou várias funções ao longo destes anos. A nossa curiosidade é saber qual delas considerou ser mais desafiante e porquê?

PN: A mais desafiante, respondo-lhe com total sinceridade, foi em 1986. Eu namorava nessa altura e não tinha casa, nem dinheiro para comprar uma casa. As casas eram tão caras como o são atualmente, mas na altura eu tinha ainda menos dinheiro do que tenho agora. E daí veio aquela iniciativa que tive de criar a Habijovem, uma cooperativa com outros jovens que tinham o mesmo problema que eu. Lembro-me que um estava a tirar um curso de arquitetura, outro estava a tirar o curso de engenheira, outro era empregado de mesa e precisava de uma casa, outro era topógrafo, eramos cerca de 7 no início. Então, digamos assim, aquele momento de nos juntarmos e na nossa dificuldade unirmos esforços para resolver um problema que nos era comum, que era o facto de não termos casa, foi bastante gratificante. Na altura eu não sabia fazer nada e os outros é que eram engenheiros e arquitetos, então fiquei como presidente da cooperativa. Então, a primeira coisa a fazer era pedir à Câmara que nos cedesse um terreno. Aconteceu que na altura o presidente da Câmara de Faro era do PSD, eu sou do PS, e lá vou eu enquanto jovem ter o meu primeiro “embate pessoal” não é. Vesti um fato pela primeira vez e fui pedir ao Senhor Presidente que desse um terreno a este grupo de jovens, para confiar em nós. E de facto o que aconteceu é que ele deu o terreno, foi extraordinário ter confiado em nós. Tínhamos 3 anos para começar a obra, caso contrário revertia novamente para a Câmara, e pronto avançamos com o projeto sendo que realizamos ao todo 18 moradias unifamiliares evolutivas, isto no período de 1986-1992.

Tudo isto fez com que eu crescesse não é, ter este espírito de entreajuda e de sermos nós a tentar resolver um problema, assumir a responsabilidade para comigo e para com os meu amigos que tinham o mesmo problema e a mesma necessidade que eu. É que foi realmente uma grande responsabilidade, é aí que começo a mexer com os seguros de obra, as negociações jurídicas, os contratos com os bancos em termos de juros etc., sem dúvida foi a minha maior escola.

GC: No período em que exerceu o cargo de deputado da Assembleia da República, houve algum projeto de lei que lhe tenha sido mais marcante?

PN: Nesse período, fiz ao todo 38 intervenções na Assembleia da República e apresentei 11 projetos de lei. O PS, tal como hoje, não tinha maioria absoluta, portanto tinha de haver muita negociação para conseguirmos a aprovação de uma lei. Se eu hoje tivesse de relembrar alguma proposta, foi sobre algo que hoje está “na berra”, que são os carros elétricos, porque foi algo transversal, PS, PSD e Os Verdes. Tinha sido a primeira vez que houve um incentivo fiscal à aquisição dos carros elétricos. Foi com um deputado do PSD, mas a proposta não tinha sido muito bem escrita na altura apesar de ser uma pessoa absolutamente brilhante, mas não tinha grande respaldo na lei orçamental. Só que eu tive a felicidade de estar numa Comissão da Economia, Finanças e Plano e, portanto, pude fazer a ponte com Os Verdes para fazermos algo pouco usual: uma ideia que partiu de um deputado PSD, aproveitada e reescrita no sentido orçamental adequado que levou a que o Governo na altura viabilizasse essa proposta.

Outro episódio marcante, mas não tanto pela positiva, foi quando, em 1997, eu estava a defender algo que era a coincineração dos resíduos perigosos nas cimenteiras. Enquanto deputado do PS tratava dos assuntos relacionados com o ambiente e lá subi ao público para defender a minha ideia. Foi engraçado porque o Presidente da Assembleia da República, naquele momento era o Manuel Alegre, do meu partido, que estava a presidir à mesa e era totalmente contra aquilo que eu estava a defender. Eu apresentei o meu documento, comecei a ler um episódio de um parecer científico, e ele requereu o papel que eu estava a ler, mas eu disse que não lhe dava. O que é que acontece logo em seguida? Eu estou a voltar para o meu lugar e cai uma chuva de moedas de cêntimos das bancadas lá de cima como quem diz: “vocês são uns vendidos”. Foi mesmo daqueles momentos em que dificilmente se esquecem.

VS: Agora para quebrar o gelo e trazer também o Doutor Horácio à conversa, gostaria de colocar uma questão aqui ao Diretor Clínico. O Doutor faz a sua formação em Medicina e traz então depois todos esses conhecimentos para salvar vidas, mas depois achou que o curso de Direito poderia dar-lhe uma ajuda. Gostaríamos de saber de onde surgiu essa vontade de ingressar no curso.

HG: Bom, eu na verdade gostava de ser enciclopédico, na minha cabeça achava que o podia ser. Eu lia muito, quando era jovem lia todos os livros clássicos. E vou ser sincero, para mim, uma pessoa como eu que tira Medicina, não precisava de mais de um ano para tirar Direito, porque nós acabámos por estudar tantos calhamaços de anatomia, doenças, etc., que creio que ganhamos uma capacidade de concentração diferente, talvez. Na verdade, entrei em Direito mais por uma questão de curiosidade, de desafio para comigo próprio. Eu era um médico bem-sucedido e tinha uma projeção boa, até quase a nível europeu.

Lembro-me ainda da minha primeira aula, em que o Professor disse que o Direito era uma ciência, deu-me vontade de rir. Pensei para mim mesmo “como é que podem dizer que é ciência se mudam a lei a cada dia? (risos)

Mas depois, conforme fui avançando, fui-me apercebendo de algo engraçado, que entre a Medicina e o Direito há muita coisa igual, ambas têm um método, meios a empregar e um fim. Uma pessoa é advogada e tem alguém que lhe chega ao escritório com um problema, pede para lhe explicar a situação e ele diz, “pois, o homem caiu-me em cima da faca e pronto.” (risos) E eu, enquanto médico também peço ao paciente para me explicar o que lhe aconteceu e ele vai dizer-me que está com febre há dois dias, dói-lhe isto ou aquilo, etc. Enquanto o advogado diz “isso é homicídio por negligencia” já eu digo “é pneumonia dupla”, é a mesma coisa, e acho esta analogia interessante.

Mais tarde, acabei mesmo por me inscrever na Ordem dos Advogados para fazer o estágio, era mais um desafio para mim tentar a parte da advocacia. Mas depois acabei por não o fazer. Na altura era funcionário público, tinha pedido uma licença sem vencimento, mas se aquilo continuasse teria de ficar com uma licença sem vencimento de longa duração e isso desvinculava-me da função pública, o que era algo que não me interessava naquele momento. Quer dizer, não era bem o não me interessar, mas eu sempre fui uma pessoa de responsabilidades e já tinha assumido algumas, pelo que sair daí era mau.

Olhando para trás sinto que foi uma ótima decisão, porque para mim uma pessoa tem de ser boa naquilo que faz, e se tivesse seguido com a minha ideia inicial de ser médico hospitalar, sair do privado, e ser advogado, não estaria a ser honesto com os meus clientes e pacientes nem a conseguir o melhor para eles.

GC: E porque, infelizmente, não temos tempo para mais, gostaríamos de terminar perguntando como tem sido exercer a função de Diretor Clínico em contexto pandémico.

HG: Pessoalmente, tenho um espírito um pouco militar. Acho que tem de haver uma hierarquia e decisões rápidas. Há que tomar decisões, antecipar vários cenários, não se pode esperar que os acontecimentos surjam e só reagir depois. Considero-me um líder bastante assertivo. Sou um democrata, ouço bastante os outros, por vezes até me deixo mover demasiado pelas opiniões dos outros, querendo conciliar tudo, mas numa altura destas as decisões têm de ser tomadas com assertividade.

No entanto, ser Diretor Clínico é bastante difícil. Em primeiro lugar, porque é preciso dar a cara, e quem o faz é sempre responsável. Depois, sabemos que a estrutura de saúde no Algarve é fraca. A própria estrutura hospitalar, em termos de instalações, é deficiente. Temos um número de camas inferior à média nacional e, consequentemente, internamos menos pessoas. Na saúde existe a mesma regra que há em todo o lado: a oferta condiciona a procura.

A pandemia o que nos veio trazer foi uma dinâmica muito diferente. No ano passado, por exemplo, tivemos muitos doentes casos de Covid, mas tivemos muito menos idas às urgências por outras situações.

Mas gerir o CHUA tem bastantes desafios. Temos poucos recursos, ainda por mais estamos divididos em duas unidades. Não consigo ter todos os serviços nas duas. Oftalmologia, urologia, algumas especialidades só são possíveis num dos pontos. Só para dar uma ideia, de acordo com o ratio o CHUA deveria ter, no mínimo, 45 anestesistas, e isto é jogar o número muito por baixo. Nós temos 13 anestesistas. Com 13, é muito difícil fazer o trabalho de 45. Já o Hospital de São João, que tem uma dimensão ligeiramente maior do que a nossa, tem 96 anestesistas. São várias situações que se poderiam melhorar. Exerço o cargo de Diretor clínico só há um ano, mas tenho a expectativa de que as coisas possam melhorar, apesar de ter sido um período muito stressante.

Por Mara Rodigues e Gonçalo Camacho

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