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Entrevista com Dr. Davide Gomes

Inspetor-chefe da PJ

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Davide Gomes, inspetor-chefe da Polícia Judiciária de Portimão e licenciado em Direito pelo ISMAT dá-nos o seu testemunho enquanto profissional de uma área que tanto interesse tem para os nossos estudantes, numa entrevista conduzida pelos Dirigentes do NEDISMAT, Gonçalo Camacho e Mara Rodrigues.

A que se deveu a escolha do curso de Direito, sempre foi este o curso que teve em mente?

Davide Gomes: Se é um curso que eu tinha em mente desde a minha formação secundária? Não. Antes de tirar o curso de Direito, estudei Engenharia. O interesse no Direito teve a ver com o interesse funcional da minha profissão. Entrei no curso de Direito para poder posteriormente ser Inspetor-Chefe, mas antes disso já exercia funções na Polícia Judiciária.

Sente que o curso de Direito, no seu caso, lhe deu a preparação base necessária para a profissão de Inspetor-Chefe que desempenha atualmente?

Não necessariamente. Não diria que precisava do curso de Direito para ter as bases da minha profissão. Direi que é um complemento, pois a própria formação que nos é dada na instituição dá-nos ferramentas para desempenhar a função. Até porque antes do curso já a desempenhava. Além disso, tenho muitos colegas meus que são Inspetores-Chefes e não são licenciados em Direito.

Qual foi a maior dificuldade que teve no processo de admissão à Polícia Judiciária?

O concurso em si. Honestamente não senti nenhuma dificuldade em específico nos testes realizados. Contudo, na altura em que concorri existiam 67 vagas para quase 6 mil candidatos, considero que nessa limitação de vagas é que está a dificuldade.

Em que medida é que o curso de Direito no ISMAT contribuiu para a sua profissão?

Acaba por ser uma vantagem, ser licenciado em Direito na área em que exerço é sempre uma vantagem. É uma mais-valia pois, apesar de, como disse, uma pessoa conseguir desempenhar a função com outra licenciatura, abre-nos a mente para analisar outro tipo de matérias que provavelmente não estaria tão atento se não tivesse tirado o curso.

Atualmente, quais considera que são as maiores barreiras ou problemas na justiça?

Além do excesso de burocratização, na lei em Portugal há ainda grandes resquícios dos 40 anos de ditadura, ainda acho que há muitas coisas que não foram ultrapassadas. Além disso, e agora falo na justiça penal que é com a qual eu trabalho, diria que a demora, não propriamente no nosso trabalho que é relativamente rápido, mas entre o início de uma situação e até à sua decisão, por vezes passam-se muitos anos.

Segundo fontes do Diário de Notícias, a Polícia Judiciária tem tido, desde há 20 anos para cá, um aumento quase exponencial do número de mulheres que desempenham a função de Inspetor da Polícia Judiciária. Sendo este um meio em que sempre houve uma predominância dos homens, até por vezes devido às próprias diligências que a profissão obriga a efetuar, considera este crescimento inevitável algo positivo, negativo ou indiferente na Polícia Judiciária?

Eu acho que é indiferente, ou seja, ou as pessoas são competentes ou não o são. Não depende se são homens ou mulheres, altos, baixos, tem a ver com a competência que desempenham a função do que outra coisa qualquer. Não considero que tenha a ver com o género. Quanto às diligências que se calhar seria melhor o homem a efetuar, penso que é uma questão de preconceito. Se uma pessoa exerce uma função, tem de ser competente nas diferentes valências da mesma, seja numa polícia, magistratura, numa empresa, não tem a ver com mais do que isso na minha perspetiva. Tenho várias colegas que têm trabalhado comigo e que o fazem exatamente da mesma forma que os colegas.

Os processos, quando passam para os tribunais, por vezes não têm o desfecho esperado pelo agente que o investiga. A argumentação do advogado de defesa ou qualquer outra circunstância levam a que o juiz decida de forma diferente daquele que seria esperada. Como é que um investigador se sente numa situação dessas?

Não sente. Fez o trabalho dele, isso é um outro patamar. A investigação criminal é pura e simplesmente uma, levar o Ministério Público a tomar uma decisão, seja ela se tem condições para, reunidos os factos, apurar que naquela situação há um crime e conseguiu a prova de que esse crime foi praticado por alguém, ou que aquela situação nem sequer é crime. Muitas vezes o processo vai pura e simplesmente para arquivar porque nem sequer há crime. Portanto isso é outro grau, o investigador não tem de sentir nada. Aliás, como é que se sentirá um juiz de primeira instância que, por exemplo pegando num caso recente, o coletivo de primeira instância absolveu o companheiro da Rosa Grilo e agora temos dois tribunais superiores a aplicarem uma pena de 25 anos? Não tem de sentir, faz parte das regas do jogo.

No âmbito do processo penal, os Órgãos de Polícia Criminal trabalham em colaboração com o Ministério Público e os Juízes de Instrução Criminal. Quanto à produção da prova, quais são os maiores entraves que encontra?

Nós trabalhamos em colaboração relativa, a Polícia Judiciária tem autonomia na investigação. A única dependência que existe é uma dependência funcional, ou seja, o titular da ação penal é o MP. Relativamente aos Juízes de Instrução Criminal, basta olhar para o tribunal central e percebemos que existem duas formas de atuação do Juiz: o Juiz Ivo Rosa tem uma perspetiva e o Juiz Carlos Alexandre tem outra. Pessoalmente acho que o JIC não é um juiz só das garantias; também é das garantias, mas não se pode esquecer de que tem, em determinadas matérias que são importantes na investigação criminal, um papel importante a desempenhar, pelo que não pode ser uma força de bloqueio e às vezes é.

Em termos de prova, na primeira fase, a fase do Inquérito, a prova tem de ser reproduzida em tribunal. Por exemplo a prova testemunhal tem de ser replicada em tribunal, ou seja, qualquer testemunha que chegue à Polícia Judiciária a nos diga que viu e aconteceu de tal forma, mas depois em Tribunal diz que não viu coisa nenhuma, será isso que irá contar e aquilo que disse na Polícia não vale de nada. Isso seria algo a melhorar, diria eu. Depois, existe uma série de diligências de prova ou de aquisição de prova que passam muitas delas, nomeadamente, por decisões do Juiz de Instrução de Criminal, tudo o que tenha a ver com métodos intrusivos como escutas telefónicas, buscas e por aí fora.

A Polícia Judiciária investiga crimes muito complexos como o terrorismo, homicídios, criminalidade financeira, entre outros. Junto com essa complexidade também vem muita burocracia. Por influência de filmes, séries televisivas, etc., as pessoas de um modo geral veem a investigação propriamente dita como algo muito célere e que rapidamente os agentes passam para o terreno. É esta a realidade?

Por vezes sim, por vezes não, não há uma resposta “Sim ou Não”. Tudo depende das situações. Mas dou um exemplo, há certos bloqueios em Portugal que não fazem muito sentido. Nós temos uma base de dados de ADN em Portugal que é uma anacronia, não devia funcionar assim. Há certos países onde qualquer pessoa está numa base de dados e existem situações em que uma boa base de dados é importante. Imaginemos que se dá um grande terremoto em Portugal, as vítimas vão ser identificadas, mas irá demorar muito mais tempo. Outro exemplo, vejamos quanto aos atentados terroristas que se deram em França e noutros países da Europa, houve uma identificação dos terroristas em bom tempo, uma situação destas em Portugal não seria tão rápido, exatamente pela falta de uma base de ADN funcional.

Outras situações são mais demoradas, mas isto em qualquer lugar do mundo e não é como nas séries, como por exemplo encontrar um grão de areia e a partir desse grão conseguir localizar o local do crime, isso não acontece. Mas no geral, conseguimos respostas relativamente em tempo, nomeadamente no chamado crime de cenário, roubo, homicídios, etc., aí a resposta até é célere. Já naquilo que é designado por criminalidade económica torna-se mais complicado, porque exige muitos documentos, muita papelada, e se tiver implicações no estrangeiro aí é mais que óbvio, porque as respostas não nos são dadas no próprio dia, não dependem da nossa investigação do local, mas sim das respostas de outros países que se calhar têm outras prioridades.

A sociedade por vezes reage mais rapidamente, ou digamos que fica mais perturbada e dá mais atenção quando ouve falar de crimes como roubos, homicídios, do que propriamente os ditos crimes de colarinho brancos, sendo que estes por vezes são os que mais lesam a sociedade. Pode dar-nos a sua opinião?

A corrupção é muito difícil de provar. Ou existe uma investigação em termos preventivos em determinadas situações e aí é possível conseguir provar corrupção, ou então é muito difícil. Provar que existe corrupção depois de os factos ocorrerem, essa prova é quase impossível. Por exemplo, se me dizem que vou investigar alguém porque foi construída uma ponte nova em Portimão e foi favorecido um empreiteiro X e quem adjudicou essa obra recebeu não sei quantos milhões de euros, se isto tiver de ser provado depois de estar tudo construído, provar isso como corrupção… nunca mais. Pode ser outro crime, pode ser prevaricação, outros crimes conexos, agora o crime de corrupção, provar que existiu uma vontade, uma entrega, etc., é muito difícil mesmo. De qualquer das formas já não é a minha área há muitos anos.

 

Inspetor Davide Gomes, agradecemos imenso ter aceitado o nosso convite, assim como o seu testemunho que decerto irá esclarecer bastante os nossos leitores e ajudá-los a conhecer um pouco melhor a sua profissão. O NEDISMAT deseja-lhe os maiores sucessos!

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