“Venire contra factum proprium”
Na edição do mês de abril, exploramos um brocardo latino conhecido por todos nós, no entanto, o que realmente significa “venire contra factum proprium” e o que representa este princípio basilar do Direito Civil?
“Venire contra factum proprium”: O que significa?
A expressão latina, traduzida para a língua portuguesa significa “vir contra factos próprios”, resulta quando alguém empreende uma posição jurídica contrária ao comportamento por este assumido anteriormente. A proibição do comportamento contraditório aos atos anteriormente praticados, configura uma modalidade do instituto jurídico autonomizado, enquadrável na proibição do abuso do direito1 apelando ao adensamento do principio clássico da boa fé.
“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
O abuso do direito é, definido como a divergência entre o cumprimento da estrutura formalmente estipuladora de um direito e a infração concreta do fundamento que material normativamente constitui esse mesmo direito.2
No instituto do abuso do direito protege-se a tutela da confiança, a essência da harmonia pacífica e da cooperação entre o Homem, uma vez que a nossa lei adotou a conceção objetiva do abuso do direito, sendo que não exige que o titular do direito haja procedido com “animus nocendi” (intenção de fazer mal) do direito da contraparte, bastando apenas que se demonstre que estes limites foram excedidos objetivamente.
Sendo que para que esta modalidade do abuso do direito “venire contra factum proprium” é necessário que estejam preenchidos os seguintes pressupostos: a existência de uma conduta antecedente suscetível de consistir em uma conjuntura objetiva de confiança; a boa-fé do lesado; a existência de um “investimento de confiança”, resultante no desdobramento de uma atividade com base no facturm proprium; e o nexo causal entre a situação objetiva de confiança e o “investimento” assente nesta.3
A situação objetiva de confiança existe quando alguém pratica um ato – o factum proprium – que, em abstrato, é apto a definir em outrem a expetativa da adoção de um comportamento, futuro, coerente aquele primeiro. O investimento de confiança, se traduz nas disposições ou alterações na vida e quotidiano do destinatário do factum proprium que evidenciam a expetativa nele criada (o investimento, com base na confiança).
1 Artigo 334.º do Código Civil
2 NEVES, A. Castanheira in “Questão de facto-Questão de direito ou o problema metodológico da juridicidade, I, Almedina, 1967, pág. 524
3 Ac. do STJ de 12-11-2013, proc. 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, http://www.dgsi.pt
A expressão é invocada quando:
e.g. O senhorio não fez as obras que deveria fazer, com isto, pede ao arrendatário para fazê-las e este altera uma pequena estrutura, o senhorio, invocando a falta de autorização escrita, move uma ação de despejo. Há “venire contra factum proprium” da parte do senhorio, quando este autoriza e pede ao inquilino a realização de obras, no entanto, esta comunicação não foi por escrito e invoca tal para a ação de despejo, deste modo, o senhorio, fragmenta assim, a boa-fé objetiva, confiada a este da parte do arrendatário.
Origem
O brocardo latino, tem como procedente o Direito Romano, direito que influenciou e desenvolveu esta expressão, no século XII, com os estudos científicos do direito, pela escola de Bolonha, no qual com o estudo do “Corpus Iuris Civilis”, surge pela primeira vez “venire contra factum proprium nulli conceditur” que significa “a ninguém é concedido vir contra o próprio facto”, com a autoria de Azzone, que representava a contradição ao próprio comportamento era vedado.4