Mandatário Internacional por um dia...
Entrevista com Dr. Nuno Lourenço
Licenciado em Direito pela Universidade Moderna de Beja, Mestre em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, Advogado na área civil, várias vezes na posição de Mandatário Internacional.

O que o levou a escolher o curso de Direito e posteriormente seguir uma carreira de advogado num plano até mais internacional, era algo que tinha em mente já ad initio, ou foi simplesmente uma oportunidade que surgiu e que decidiu dar seguimento?
Na altura em que pensei tirar a licenciatura, fui um pouco influenciado pelo meu pai a seguir direito, pois o mesmo era advogado.
Na questão da carreira na advocacia, esta acabou por ser uma herança do meu pai, uma vez que me deixou o escritório e eu limitei-me a seguir as pegadas do mesmo.
A questão da internacionalização dos assuntos e da clientela tem-se justificado pela publicidade que cada cliente vai fazendo ao seu conhecido, relativamente aos nossos serviços, e os conselhos têm vindo a ser feitos casuisticamente à medida que é necessário estudar nós abordamos assunto a assunto, mas a experiência penso que seja relativamente parca.
No dia-a-dia de um advogado é certamente confrontado com inúmeros casos e de diferentes áreas, como lida por vezes com casos tão distintos entre si, mas que exigem uma dedicação de várias horas de trabalho?
Esse é de facto um desafio para quem é advogado generalista como é o meu caso, que o trabalho no interior não é concebível com a especialização e acabamos por ter a trabalhar em muitas áreas do direito.
Claro que existem situações que eu pessoalmente não faço, mas mesmo assim eu e muitos colegas acabamos por trabalhar em muitas áreas distintas, e isso exige um esforço acrescido a quem trabalha nesses moldes porque para dar uma resposta conscienciosa exige conhecimentos técnicos e uma constante atualização, e mesmo vocês estudantes um dia vão ser confrontados com jurisprudência distinta e isso é um dilema para um advogado dar respostas objetivas às suas dúvidas ou questões e quando lhe dizemos que a jurisprudência diverge eles sentem-se por vezes perdidos, até porque muitas vezes os clientes não procuram respostas mas sim uma segurança do que vão fazer.
Mas este é em suma o fruto de horas de trabalho sobre a atualização que hoje em dia é necessário ter para dar uma resposta conscienciosa e adequada aos problemas das pessoas.
Abordando agora uma questão a nível regional, tendo em conta que o Algarve retrata uma zona essencialmente turística, em que uma parte substancial dos residentes devido ao às boas condições climatéricas é constituído por estrangeiros que, ou decidem passar cá uma parte do ano, ou decidem residir definitivamente já durante a sua reforma, qual é a importância que atribui ao ramo da advocacia que lida precisamente com a interconexão de diferentes ordens jurídicas, em específico, no Algarve? Acha que faz falta mais advogados neste ramo, ou considera que esta área se encontra saturada?
De facto, a advocacia desempenha um papel importante porque há uma cultura da parte desses clientes diferente da portuguesa que não fazem quaisquer tipos de investimentos, sejam eles imobiliários ou de negócios, sem antes estarem devidamente aconselhados, quer na advocacia quer em outras áreas do saber.
O direito internacional privado é uma área complexa e que não tem sido devidamente explorada no Algarve, mas creio que seja uma aposta a tomar, porque estimo que face à multiplicidade de nacionalidades e às diferentes conexões, e questões que elas geram e geraram, vão cada vez mais haver necessidade de alguém mais especializado nessa área.
Com o constante crescimento de cidadãos chineses em Portugal, quer para se estabelecerem, quer para investirem, quais considera ser as principais dificuldades que se depara nestes casos?
A dificuldades encontradas, primeiramente, são relativas à questão cultural, porque ambos os sistemas são muito distintos e os cidadãos chineses têm alguma dificuldade em conceber o quão diferente é, e a outra questão é a linguística porque, de facto há um entorpecimento na qualidade da comunicação que mesmo com tradutores que eles por vezes trazem torna-se difícil ter um diálogo construtivo de modo a conseguirmos comunicar-nos devidamente.
A pandemia veio alterar a forma como vemos o mundo e o funcionamento da nossa sociedade. O que é que mudou para alguém desta área?
No dia-a-dia do escritório, o que antes era feito presencial passou a ser feito online, através de emails e video-chamadas.
Deixando de existir reuniões presenciais com os clientes e começou a ser tudo tratado por emails.
A fluidez como a comunicação ocorria presencialmente por via verbal, era substancialmente melhor, degradou-se e os escritórios começaram a ser invadidos por emails, com perguntas sucessivas, cujo as respostas são demoradas porque precisam de ser amadurecidas, estudadas e pensadas, e para isso é preciso tempo, discernimento e “folga mental” para conseguir encontrar as soluções, e muitas vezes os clientes nos dias que correm não estão dispostos a esperar, estão habituados ao instantâneo.
Com esta pandemia criou-se uma cultura que eu apelido de “micro-ondas”, que é o instantâneo, deixou de se ponderar e pensar a médio longo prazo.
Por fim a nossa última pergunta é que conselho deixaria aos nossos estudantes que queiram enveredar pela advocacia?
A advocacia é fascinante, mas ao mesmo tempo é frustrante. É fascinante porque é gratificador ganhar causas quando lutamos anos e anos por elas, ao fim ao cabo são convicções que cada um de nós tem. Sendo ao mesmo tempo constrangedor por várias razões, sendo o tempo que as coisas demoram em tribunal, embora tenha existido um esforço nos últimos anos para reduzir essas demoras, e muitas das vezes a forma como é analisada a provas, infelizmente nem sempre a forma como os tribunais aferem a credibilidade das testemunhas deixa muito a desejar e isso não é feito intencionalmente mas sim da forma como é a experiência que cada um de nós temos nas nossas vidas e nós ajuizamos as situações de formas distintas conforme as nossas experiências. É preciso nós advogados estarmos preparados para enfrentar essas adversidades que nos deparamos e que por vezes criam frustração.
Portanto a advocacia tem este constante binómio, ou seja, há minutos/horas que estamos gratificados e no minuto seguinte cai um email com uma decisão que pode ser um “balde de água fria”.
Contudo quem tenha resiliência, prazer de estudar e trabalhar é uma área fascinante, pois somos confrontados com a responsabilidade de defender património e bens materiais de cidadãos, sendo esta responsabilidade gratificante.
Que conselho deixaria aos estudantes que pretendam além da advocacia convencional no país, abrir novos horizontes pelo mundo a fora?
Aconselho a aprofundar os conhecimentos no Direito Internacional Privado e a inscreverem-se em cursos de verão em universidades de direito no estrangeiro.