Agente de Execução por um dia...
Entrevista com Dr. Armando Oliveira
Licenciado em Direito e Solicitadoria, Mestre em Solicitadoria e Pós-graduado em Notariado e Registos, Armando Oliveira é agente de execução desde 2003, data em que esta profissão foi consagrada no ordenamento jurídico português. Foi, ainda, Vice-presidente do Conselho Regional de Lisboa e do Conselho Superior da OSAE (Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução).

Porque escolheu o curso/área do direito e posteriormente a carreira de agente de execução?
Após os meus estudos secundários, quis frequentar a universidade de direito pública, para a qual não consegui entrar por uma miseras décimas, ficando assim “à porta um ano”. No ano seguinte melhorei as minhas notas, mas a nota minima para entrar na universidade voltou a subir e acabei por não conseguir entrar novamente.
Foram dois anos de tentativas para entrar na universidade pública, mas não consegui por esta razão, embora tivesse uma boa média.
Após estes dois anos entrei numa universidade privada, que se chamava á época Universidade Livre, e aí comecei a frequentar direito. Esta Universidade teve uns grandes problemas de origem política, que terminaram inclusive com tiroteios e graves problemas de segurança na universidade, que veio a fechar no seguimento dos acontecimentos.
Mais uma vez, vi frustrada a possibilidade de frequentar o curso de direito. Nessa ocasião ouvi dizer que estavam abertas inscrições para o curso de solicitadoria, que na época era ministrado pela então câmara dos solicitadores, que por sorte se encontrava a 200 metros da faculdade que eu outrora frequentava. Percorri os 200 metros e informei-me das condições de inscrição, à época sabia vagamente o que era um solicitador mas não fazia ideia do que realmente era. Informei-me com quem sabia e inscrevi-me no curso.
Este curso não era académico, era um curso eminentemente profissional, mas que permitia o acesso à profissão. E foi assim que me tornei solicitador.
Pelo decurso dos acontecimentos, vim a perceber que fatalmente gostava mais de ser solicitador do que ser advogado. Porque a minha intenção era seguir a advocacia para resolver os problemas às pessoas, resolver os litigios, mas isso encontrei eu enquanto solicitador.
Bem sei, que o solitador tem limitações no processo, o que para mim não é um problema, nunca foi.
Quando comecei tudo isto, eu era empregado bancário, e acabando o curso de solicitador e feito o estágio, solicitei à minha entidade empregadora duas coisa, a primeira foi que me colocassem na àrea do contencioso, hoje em dia são departamentos jurídicos, para começar a exercer a minha profissão por conta de outrem, e a segunda foi pedir à administração do banco se me deixava exercer a minha atividade em escritório autónomo, o que foi deferido.
Assim, a partir do ano de 1985 passei a ser solicitador por conta de outrem (em contencioso num banco) e solicitador com escritório aberto em nome individual.
A solicitadoria passou a ser uma paixão, ao ponto de dizer que não a trocaria por outra atividade, do mundo do direito.
Se fosse advogado era um entre milhares, e o solicitador que eu fui e sou, modestia à parte, faz de mim, não um entre milhares mas sim um daqueles que entre alguns milhares teve relevância e teve uma carreira da qual me posso orgulhar e que me preenche muito.
Em 2003 tornei-me também agente de execução, digo isto pois, não sou só agente de execução, mantenho toda a minha clientela e atividade dita de generalista.
Ser agente de execução é uma atividade que prende muito tempo e por isso tive de arranjar colaboradores, porque senão com todo o trabalho as 24 horas do dia não chegariam.
Chegando assim a uma questão pertinente, que é a dos colaborados, temos de ter quem nos ajude. Hoje em dia tenho uma equipa de 4 pessoas e mais uma advogada, que por acaso também é minha mulher, e mais uma secretária.
Que requisitos são necessários preencher e por que fases temos de passar para entrar ser um agente de execução?
Primeiramente é preciso que abram vagas para o concurso, que é coisa que não acontece há já muitos anos.
Para ser agente de execução tem de ter uma grande formação na atividade que abrange um agente de execução, sobretudo as regras processuais civis, os regulamentos que temos de cumprir, resumidamente temos de ter um bom domínio sobre as normas legais e processuais, e sobre o domínio de uma aplicação informática, que é muito exigente, mas que nos ajuda muito pois podemos fazer grande parte do trabalho online através das plataformas legais.
O fundamental é ter gosto, porque se não se tiver gosto não vale a pena ser agente de execução.
Quais são as funções que um agente de execução tem no seu dia-a-dia de trabalho?
O agente de execução é um profissional liberal. É e deve ser isento seguindo sempre a lei. Jamais deve estar ao serviço do exequente ainda que este o tenha nomeado, o agente está ao serviço do processo e da lei.
O trabalho de um agente de execução é, contribuir para a resolução de um problemas, e que estamos ali para ajudar, mesmo que as pessoas estejam revoltadas e vejam a sua vida com uma série de problemas que parecem não ser passiveis de resolução. Muitos destes problemas são despejos, penhoras, entre muitos outros. Nós estamos ali para contribuir e para resolver problemas, e quem não está, julgo que não estará bem nesta profissão.
O problema que temos de resolver é, o problema do exequente (que quer receber o seu dinheiro) e o do executado, que nós podemos ajudar propondo uma série de possibilidades que ele tem para ser capaz de cumprir.
Às vezes a palavra amiga e uma explicação, resolve muitos problemas e pode encontrar soluções que nunca passaram pela cabeça dos executados.
Temos também uma função profilática que é ser capaz de acalmar alguém muito nervoso e desesperado para com o exequente, as vezes com algumas razões.
Também temos um papel determinante em processos que não são executivos, por exemplo em citações de processo declarativo em que o tribunal ou a parte nos indica para fazermos uma citação que não foi conseguida pelas vias normais ou das notificações avulsas judiciais ou extrajudiciais, são atividades que fazemos muito regularmente e onde ainda não está em causa nenhum litigio.
Quais as semelhanças entre um solicitador e um agente de execução visto que pertencem ambos à mesma ordem profissional?
Primeiramente um agente de execução é sempre também um solicitador, apesar de também haver uma mínima quantidade de advogados que são agentes de execução.
Há é muitos agentes de execução que quando abraçaram esta especialidade, porque ser agente de execução é apenas uma especialidade dentro da ordem, deixaram de ter a sua solicitadoria dita tradicional.
Depois há aqueles que nunca a tiveram porque vieram para a classe em 2003 quando foi criada a especialidade de agente de execução. Nunca tendo feito nada como solicitador, os tais ditos como generalistas.
O solicitador é um mandatário das parte que o escolhem para defender os seus interesses. A semelhança que há maior com o solicitador é o advogado, não o agente de execução.
O que nos distingue do advogado é o valor das causas que nós não podemos defender.
Não há quase nada que o solicitador não possa fazer, porque mesmo nos processos que execedem a alçada em que o solicitador pode intervir, é falso que este não possa intervir, o que é verdade é que é obrigatória a constituição de advogado, podendo o solicitador ser constituído nesse processo e trabalhar ao lado do advogado.
A semelhança com o agente de execução é muito pouca, porque a atividade de agente de execução está circunscrita aqueles que sendo solicitadores também são agentes de execução por se terem inscrito no colégio da especialidade, tendo feito o curso prévio. O solicitador enquanto mandatário pode fazer citações, por exemplo, que são coincidentes, mas muito poucas, pois tudo o que é tramitação processual é obrigatóriamente feita pelo agente de execução, e o solitador que não seja simultaneamente agente de execução muito pouco pode fazer num processo executivo.
Como caracteriza a sua ascenção para Vice Presidente do Conselho Regional de Lisboa e do Conselho Superior da OSAE (Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução) e o seu trabalho nesse meio?
Eu sempre fui muito interventivo em todas as associações ou clubes onde sou sócio, por exemplo eu sou sócio desde miúdo de uma colectividade centenária na baixa de Lisboa e cheguei a presidente, porque não existe nenhuma assembleia em que eu não esteja presente nem nenhum aspeto da vida associativa que me passe ao lado, porque eu sou muito interessado nas associações de que faço parte, e isso também se refletiu na minha ordem.
Quando me inscrevi na ordem muito rapidamente me comecei a interessar pela vida da minha classe, e aconselho todos que assim façam, e depois fruto das minhas intervenções em assembleias gerais e da minha presença em todos os eventos e formações apareceram os convites dos colegas mais antigos para que eu participasse de uma forma diferente na vida associativa, nomeadamente candidatando-me aos órgãos.
O meu primeiro cargo na então Câmara dos Solicitadores foi de Vogal do Conselho de Instrução Disciplinar, um órgão que já foi extinto mas que tem hoje uma equivalência, portanto comecei no cargo mais baixo deste órgão, mas comecei por aqui pela mão de um colega mais antigo, e todos temos de começar pela mão de alguém porque ninguém se candidata sem um percurso ou reconhecimento, e é preciso um percurso de vida que seja exemplo de dedicação, de honestidade, de competência e de gosto pela profissão e pela associação pública a que pertencemos, gosto em melhorar a nossa associação pública e de dar novas ferramentas.
Nós quando trabalhamos estamos ao serviço do nosso cliente, mas também estamos ao serviço dos cidadãos e da justiça e só assim poderemos ser bons profissionais e sermos reconhecidos e este reconhecimento traz os clientes, e eu já vou em alguns casos na terceira geração de clientes o que é uma coisa que me dá muito prazer, portanto este potencial de confiança com o cliente também o devemos trazer quando queremos participar ativamente na nossa associação pública.
Portanto eu fui Vogal no Conselho de Instrução Disciplinar que agora está fundido no conselho superior, depois disso fui secretário da mesa da assembleia regional, vice-presidente do conselho superior, vice-presidente do conselho regional, presidente do conselho regional por 2 mandatos e fui presidente da mesa da assembleia superior que é o terceiro na hierarquia da ordem depois do bastonário e do presidente do conselho geral.
E este percurso não me torna melhor profissional, mas orgulha-me porque eu tive a confiança dos meus colegas para exercer estes cargos, e nos passar hoje por certos eventos na ordem e ser reconhecido como um bom exemplo pelo trabalho feito e que ainda nas últimas eleições me desafiaram para me candidatar a bastonário da ordem, mas que eu apesar dos meus méritos e da minha situação pessoal não avancei.
Que conselho deixaria aos nossos estudantes que pretendam seguir pela sua área de atividade?
O conselho que eu deixo é que quem quer esta profissão tem de estar disposto a estudar e a atualizar-se durante toda a sua carreira, e a ordem tem formações em todas as peças da nossa atividade e mesmo que a ordem não ofereça certas formações que nós achemos que sejam necessárias a ordem responde afirmativamente.
Nós somos a par dos contabilistas a ordem que dá mais formação aos seus membros e formação muito variada. O requisito formação é essencial na nossa vida, a honestidade também, por vezes vamos ter de abdicar de estar com a família pelo trabalho, estar disponível para ouvir os clientes sobre os seus problemas para depois tentar encontrar uma solução, depois os clientes querem sempre duas coisas que o assunto dele seja sempre o mais importante e temos sempre de trabalhar com dois requisitos a eficácia e a celeridade, é claro que quando temos dez ou quinze ou vinte assuntos no escritório e saber o que é mais e menos urgente, mas nunca pôr de lado um assunto que não sabemos ou que não nos apeteça.
Eu no início da minha carreira tive um caso que estava relacionado com a regularização de umas propriedades em Lisboa e que já tinha passado por “n” escritórios de advogado e dois de solicitadores e aquele assunto já se arrastava há mais de uma década e eu que na altura era um jovem com muito menos conhecimento que os meus colegas anteriores. Depois de estudar disse ao cliente que não sabia se aquele assunto teria resolução, mas que dentro de um mês lhe iria poder dizer se aquilo era ou não possível de fazer, entretanto tratei do assunto com o que era preciso e entreguei o assunto resolvido.
Depois tive o problema de saber quanto ia levar pelo serviço, isto passou-se nos anos 90 entre 1990 e 1995 e depois de falar com muitos colegas ninguém me disse menos de 500 contos (2500€), eu ganhava na altura no banco 20 contos (100€) ou seja eram 2 anos de trabalho no banco. Depois eles convidaram-me para almoçar e disseram para eu levar a conta e quando eu lhes dei vi o cliente a jogar as mão à cabeça e a única coisa que eu lhe fui capaz de dizer foi que depois de falar com muitos colegas este foi o valor mais baixo que me disseram e que se eu lhes tivesse proposto 1000 ao início eles diziam para avançar e um dos clientes deu-me razão lá me pagaram os 500 contos.
Eu pensei que vocês me iam perguntar quanto é que se ganhava na profissão e uma coisa que eu vos gostava de dizer é que não se fazem borlas, eu já dei aulas numa universidade nomeadamente uma cadeira de ética e deontologia, porque quando nós vamos ao café de uma amigo vamos lá beber um café e pagamos, num restaurante vamos e pagamos, num pronto a vestir, e nós aqui é igual o cliente procura os nossos serviços têm de pagar, claro que podemos fazer um preço especial mas borlas só fiz aos meus pais e aos meus irmãos.
Outra coisa é o levar nem muito caro que nem as pessoas voltam cá, nem muito barato se não as pessoas pensam que nós não somos bons. Sobre o dinheiro eu não sirvo de exemplo porque tive a sorte de ter herdado muitos clientes de uma colega minha e nunca tive problemas de falta de trabalho, mas nós só ganhamos a nossa vida se conseguirmos resolver os problemas dos clientes em tempo útil, porque eu ouço muitas queixas de colegas que pedem 500€ de provisão e depois ao fim de um mês pouco fizeram sobre o caso e nos dias de hoje é muito fácil de saber já foi feita alguma coisa.
Portanto a seriedade deve ser quanto aos valores e a seriedade intelectual de saber quando conseguimos ou não resolver os problemas e se os clientes forem bem servidos vão recomendar os nossos serviços e essa é a melhor publicidade que nós podemos ter. Mas por exemplo um cliente que aparece no escritório para obter uma certidão eu aí tiro a certidão e não levo nada mando a pessoa pagar o custo da certidão do multibanco e sei que no futuro um dia vou ter um assunto daquela pessoa.